sábado, 28 de março de 2009

Origens da Umbanda - parte 1

A frase: “nada acontece por acaso” é muito utilizada por espiritualistas em geral – e por espíritas em particular. Acredito que possa ser muito bem complementada por esta outra: “as coisas só acontecem quando realmente devem acontecer”. Parece redundante, mas é uma frase reforçadora da idéia de que há uma organização do fatos, na linha do tempo, a demonstrar claramente a infinita sabedoria do nosso Criador. “Tudo tem sua hora e lugar” também é um princípio importante.

A primeira parte deste post fará considerações sobre “tempo”: assim, o surgimento do Espiritismo, no século XIX, deu-se num contexto de grandes modificações. A Revolução Industrial, o Positivismo de Comte, as influências do Iluminismo, a teoria da hereditariedade de Mendel, a Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin e a possibilidade de investigação de fenômenos através de metodologia científica somam-se a tantas outras transformações do panorama social, econômico e cultural da Europa que criaram um cenário favorável à codificação do Espiritismo por Allan Kardec. Particularmente, acredito que seria impossível a estruturação da doutrina espírita sem que houvesse essa conjunção providencial de tantos fatores.

No Brasil, também no século XIX, a Umbanda encontrou solo previamente preparado para seu advento. A Proclamação da República (vejam só: a antiga Constituição do Império, de 1824, consignava o Catolicismo como “Religião do Império”), a Abolição da escravatura, a popularidade da doutrina e da prática do Espiritismo foram eventos próximos no tempo e em alguns de seus desdobramentos.

Após a promulgação da Lei Áurea, centenas de escravos se viram ainda mais desvalidos; expulsos das fazendas, ocuparam desordenadamente os sítios urbanos sem nenhuma política de inserção social – sem ter onde trabalhar, onde morar, como subsistir. Um enorme contingente humano, marginalizado, aglomerou-se nos subúrbios, nos embriões das favelas, nas sombras hostis dos cortiços e becos das cidades, juntamente com mestiços e brancos de condição desfavorecida. Nessas comunidades, a miséria moral instalou-se ao lado da miséria material: estava formado o ambiente propício para a disseminação de charlatanismos, feitiçarias, superstições e toda sorte de rituais distorcidos e dirigidos para trabalhos do mal, de prejuízo aos desafetos ou obtenção de bens materiais. Segundo Matta e Silva, “toda essa complexa mistura, que o leigo chama de macumba, baixo espiritismo, magia negra, envolvendo práticas fetichistas e barulhentas ... era a situação existente, quando surgiu um vigoroso movimento de luz, ordenado pelo Astral Superior, feito pelos espíritos que se apresentaram como Caboclos, Pretos Velhos e Crianças”.

No Plano Astral, ou na Espiritualidade, como queiram, inúmeros espíritos que foram - em vida terrena - escravos, índios e mestiços almejavam manter intercâmbio com seus irmãos encarnados; a prática do bem, o tratamento dos enfermos, a transformação de sentimentos e pensamentos (aliviar os carentes, encorajar os excluídos, abrandar os endurecidos) eram aspirações que os impeliam ao serviço de caridade. Entretanto, essas entidades não encontravam acolhida ao desenvolvimento de seu trabalho: ou se deparavam com casas voltadas a práticas pouco recomendáveis, ou recebiam o estigma de “manifestações demoníacas” pelos irmãos católicos, ou então eram “convidadas” a se retirarem de centros espíritas: antigos escravagistas e seus descendentes se viam em situação desconfortável perante espíritos de negros e índios que foram por eles aprisionados, torturados (e até mortos) manifestando-se durante os trabalhos espirituais da religião codificada na França e trazida ao Brasil pelo segmento da sociedade brasileira que enriqueceu – direta ou indiretamente - às custas da exploração do trabalho desses irmãos. Orgulho, vaidade e remorso “torciam os bigodes” da nata da sociedade que compunha grande parte das mesas espíritas.

Foi nesse contexto que, em atividades mediúnicas sediadas em diversas localidades brasileiras, ocorreram várias manifestações de entidades espirituais anunciando a chegada de um movimento religioso renovador, trazendo um sopro de esperança, amor e fé. A entidade conhecida como Caboclo Curuguçu (ou Curugussu), da linha de Ogum, apresentou-se durante alguns anos, coordenando o trabalho de vários outros colaboradores espirituais que traziam a mesma mensagem. Alguns autores afirmam que o termo “Umbanda” já era citado em algumas dessas comunicações; outros, por sua vez, declaram que, além de anunciar a chegada da Umbanda, o Caboclo Curuguçu dizia ser emissário da raça vermelha “pura”, ou seja, que os caboclos que coordenam o movimento umbandista atual, na Espiritualidade, não são os indígenas da época da colonização ou seus remanescentes, mas espíritos muito evoluídos da antiga raça vermelha, que viveu nesta terra há milênios. Polêmicas à parte, o que provavelmente a Espiritualidade pretendia era preparar corações e mentes para o advento de uma nova forma de expressão da devoção e da fé.

Em 15 de novembro de 1908, um jovem chamado Zélio Fernandino de Moraes foi levado à Federação Espírita de Niterói; apresentando estranha enfermidade, que não cedera nem com cuidados médicos nem com exorcismos de sacerdotes católicos, achou-se finalmente conduzido àquele local. De repente, passou a comunicar-se verbalmente com os presentes, sem controle voluntário: estava sendo influenciado mediunicamente pela entidade que acabou por se denominar Caboclo das Sete Encruzilhadas. Questionando os participantes sobre por que motivo discriminavam espíritos de negros, índios e pobres que desejavam se manifestar, o Caboclo foi tratado com reservas e desconfiança; anunciou, então, que na noite seguinte seu “aparelho”, Zélio, iniciaria na própria residência o culto que acolheria qualquer entidade que quisesse “trabalhar”, sem restrições.

Eis que numerosos espíritos, trabalhadores pela caridade, finalmente encontravam condições de se manifestar e prestar atendimento a uma multidão de necessitados – enfermos, carentes, desesperados, pobres na matéria ou no espírito. Com o tempo, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou a estabelecer orientações e diretrizes gerais para a organização do culto – fundamentação na prática da caridade, sem sacrifício de animais, sem nenhum tipo de remuneração. Entre outros preceitos, esses eram indispensáveis para distinguir a prática da Umbanda de ritos diversos, disseminados nos grandes centros, voltados à cobrança por “trabalhos” direcionados para interesses escusos, com matança de vários tipos de animais, com exercício tirânico dos “poderes” de supostos sacerdotes aliciadores de espíritos oriundos do Baixo Astral.

À “Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade” (assim denominada pelo Caboclo porque, em suas palavras, assim como Maria acolheu em seus braços o Filho, assim a Tenda acolheria os que nas horas de aflição, a ela recorressem), seguiu-se a fundação, também determinada por orientação do Caboclo, de outras sete tendas: Tenda Nossa Senhora da Conceição, Tenda Nossa Senhora da Guia, Tenda Santa Bárbara, Tenda São Pedro, Tenda Oxalá, Tenda São Jorge e Tenda São Jerônimo, esta última em 1935.

A história de Zélio de Moraes é capítulo indispensável na história da Umbanda: merece ser contada à parte, o que será feito oportunamente.

Nas primeiras décadas do século XX, o país passou por transformações políticas e sociais que permearam a evolução da Umbanda, no início do seu processo de estruturação e reconhecimento como religião. O Tenentismo, a marcha da Coluna Prestes pelo Brasil, a Revolução de 1930, entre outros fatos, precederam a ascensão ao poder de Getúlio Vargas; seu modelo de governo propagou a idéia do nacionalismo e da integração nacional, do brasileiro como um povo forte e patriota como bandeiras para fortalecer o Estado. Muitos autores acreditam que a fundação da Federação Espírita de Umbanda, em 1939, e a realização do I Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, em 1941, foram movimentos coerentes com a intenção de dirigentes umbandistas de propagar a umbanda como religião brasileira, a integrar elementos das diferentes raças e culturas componentes do nosso povo. Alguns chegam a afirmar que a adoção de um caráter mais… “institucional” facilitaria a legitimação da Umbanda pelo poder público e acabaria com a repressão policial (que se estendia às práticas de Umbanda, Candomblé e a tudo o mais que não formasse a trinca Catolicismo, Protestantismo, Espiritismo - esses últimos vistos pela Igreja Católica com um olhar meio atravessado).

Com a intenção de dissociar ainda mais a Umbanda das práticas de feitiçaria, baixo espiritismo, magia negra etc, autoridades umbandistas tentaram se apropriar de um discurso mais enriquecido por contribuições filosóficas, científicas e identificadas com as doutrinas católica e espírita, destinando um segundo plano à natureza magística e à herança negra e indígena. Esse é o olhar de vários estudiosos que enxergam, nesse processo, uma espécie de “embranquecimento” da Umbanda para que pudesse sobreviver, poupar-se de discriminação e se disseminar como religião reconhecida, em detrimento da participação dos mais diversos elementos trazidos por outras raças.

Em 1947, surgiu o JORNAL DE UMBANDA que, durante mais de vinte anos, foi um órgão de divulgação doutrinária de grande valor. Zélio de Moraes ajudou a instalar federações umbandistas em São Paulo e Minas Gerais. Em 1944, vários umbandistas ilustres, incluindo vários militares, políticos, intelectuais e jornalistas, apresentaram ao então Presidente Getúlio Vargas um documento intitulado "O Culto da Umbanda em Face da Lei" e consegue daquela autoridade a descriminalização da Umbanda.

Atualmente, contamos com grande número de órgãos representativos da Umbanda no Brasil (e vários no exteror); alguns agregam casas de Candomblé e outros cultos de raiz africanista. Como exemplos, podemos citar:

  • INTECAB - Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira
  • CONUB - Conselho Nacional da Umbanda do Brasil
  • SOUESP - Superior Orgão de Umbanda do Estado de São Paulo
  • FUCESP - Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo
  • FBU - Federação Brasileira de Umbanda
  • UTUCB - União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil
  • PRIMADO DO BRASIL - Organização Federativa de Umbanda e Candomblé
  • FUB - Federação de Umbanda do Brasil
  • SOI - Superior Orgão Internacional de Umbanda e dos Cultos Afro.
  • Leia Mais ►

    sábado, 7 de março de 2009

    Médium, eeeeeeeeeu?

    Foi numa gira de atendimento; lá estava eu, diante da entidade, recebendo meu passe, olhos fechados - pra me concentrar na importância do momento, né!? Ah, mal sabia eu como esse negócio de "concentração" é delicado...
    De repente, meu corpo começou a balançar de leve, pra frente e pra trás. Pensei que fosse o ritmo dos atabaques, que fosse minha pulsação cardíaca... que nada! Quando me dei conta de que estava recebendo a influência de uma entidade espiritual em meu corpo, pensei: xi!

    Médium, eeeeeeeu???

    Gente, nunca havia pensado nessa possibilidade, antes. Sou de família católica, frequentei uma denominação protestante na adolescência e estava toda satisfeita em ter me tornado espírita (mais ou menos) praticante - rsrs. Nunca havia pensado em exercer mediunidade, nem em tudo o mais que isso implica.

    Durante aqueles momentos, só me perguntava: "e agora, quequeu faço?". Em algumas frações de segundo, a sensação de perda de controle (do corpo, da consciência, não sei) aumentava: dava medo, e eu me retraía um pouco. Em outros, eu tentava perseguir ainda mais aquela sensação, soltava os braços, a cabeça, mas não acontecia nada diferente. Era bom, era angustiante, era intenso... era confuso. A respiração ficou irregular, eu me sentia aflita e queria que aquilo "virasse algo".

    O diagnóstico da entidade que me atendia foi: "a conexão aconteceu, mas você não permitiu a manifestação porque bloqueou". Aconselhou-me a ler sobre o assunto e a "deixar acontecer" (palavras minhas).

    Saí do abaçá meio passada, meio leve, meio eufórica, meio surpresa... e agora? Mal tinha começado a frequentar o Centro. Ser médium não me parecia uma realidade tão assustadora, mas era algo tão novo e inusitado que precisava assimilar melhor. Ainda estou assimilando...
    Leia Mais ►

      ©Desvendando a Umbanda | Licença Creative Commons 3.0 | Template exclusivo Dicas Blogger